Teu jeito rima com o meu
Hoje resolvi dar uma volta mais cedo e enquanto
ouvia música e sorria feito boba, sentindo o vento bagunçar minha trança mal
feita e o sol morno de primavera tocar meu rosto. Lembrei de você, ou melhor,
de nós e de como tudo parecia clichê e especial.
As manhãs chatas de domingo eram tão boas. Eu te
chutava a noite toda e mesmo assim você me acordava com beijos na ponta do
nariz e dizia que meu cabelo bagunçado era a coisa mais linda que já tinha
visto na vida e ficava o resto da manhã ao meu lado, me fazendo dar gargalhadas
e se divertindo com o som engraçado que eu fazia quando ria demais.
Então, quando eu achava que nada poderia ficar
melhor, você resolvia fazer o almoço enquanto teimava em dizer que poderia
virar cantor de rap. Eu sentava na bancada, com um copo de café doce demais na
mão e usando sua camiseta de flanela puída.
- Podemos ser mais feliz que isso? – Perguntei certa
vez.
- Claro que sim, amanhã é segunda, querida.
E eu ria mais, por que quem aos vinte chama a quase
namorada de querida?
E o domingo continuava assim, nesse clima de comédia
romântica, com a gente almoçando no tapete da sala, comendo pipoca na cama e eu
chorando vendo algum filme que mais parecia comercial de margarida.
O tempo parecia parar e quando a segunda chegava,
cada um ia para seu lado, eu tentando ser gente grande e terminar a faculdade e
você tentando fazer sua banda dar certo enquanto trabalhava na empresa do seu
pai.
Mas quando o sábado à noite chegava, lá estava eu na
porta do seu apartamento, esperando que nosso final de semana começasse e a
parte leve da vida chegasse.
Você ficava compondo até as três da manhã, eu dormia
com a cabeça em seu colo.
Em algum momento no meio disse nos perdemos e agora,
enquanto escrevo isso aqui da redação do jornal onde trabalho na coluna de
esportes – sim, fazendo o trabalho que todos disseram que uma garota não
poderia fazer -, lembro de nós e do garoto que desistiu da música para ser
grande, que desistiu de mim porque o amor não valia tanto assim.
Meu príncipe virou sapo.
Com um suspiro, desisto de continuar a escrever e
saio do jornal, entro no elevador e então já estou na recepção. Está chovendo –
nem parecendo que mais cedo tinha sol - e eu não tenho guarda-chuva.
Sem alternativa, saio e os primeiros pingos de chuva
caem e molham meu rosto.
- Bia?
Ouço a voz rouca e conhecida e então olho para trás.
- Frederico?
E lá está ele. Quase do mesmo jeito, vestindo roupa
de gente grande.
- Pensei que poderíamos conversar – diz sem jeito. –
Tenho um guarda-chuva.
E
você meu coração.
- Estou meio sem tempo – minto.
- Eu também – ele sorri daquela maneira que eu amo,
com o canto do lábio.
Penso em não concordar de novo, mas eu lembro do
colchão no chão, da toalha jogada no canto do quarto e de como rimamos.
- Eu tenho saudade – ele continua ao ver minha
indecisão. – De você, das músicas, de nós.
Fecho os olhos, tentando afastar as lembranças, mas
eu lembro de tudo o que estava tentando esquecer mais cedo. Da saudade, do café
dele mais amargo e de como eu não me importava de dividir o pouco que a gente
tinha.
Frederico dá um passo à frente e toca meu rosto.
- Estou cansado de ter só a sua saudade.
Prendo a respiração e ele se aproxima mais, tocando
minha testa com a sua.
- Pode me mandar embora, Bia, mas não me negue um
carinho e um café amargo.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Não poderia negar
um pedido de carinho, nem o café amargo e a bagunça que ele deixa na casa e em
minha vida.
- Eu gosto do café doce – falo, sentindo as lágrimas
tocarem meus lábios.
Frederico ri, de uma maneira que mais parece um
soluço e então seu nariz toca o meu e seus dedos se enroscam em meu pulso.
- Bia, que rima com dia – sussurra.
- E com você – completo,
Frederico ri novamente e me beija e eu descubro mais
uma coisa: cada traço dele é minha casa.
- Jariane
Ribeiro
Menina, você deveria escrever um livro com tudo que você escreve, eu sinceramente sou apaixonada por sua escrita e são coisas lindas.
ResponderExcluirArt of life and books
adorei o que escreveste!!
ResponderExcluirBeijinhos
That Girl