Confissões de uma garota apaixonada em crise (young adult)
![]() |
Capa feita por Sâmella Raissa. Atenção: Trechos sem revisão! |
Prólogo
A fofoca sempre está presente na vida das pessoas.
Não há nada mais emocionante do que estar por dentro do alvo da vez,
saber detalhe por detalhe do término do casal mais badalado da escola e
descobrir o motivo do garoto nerd ter aquele apelido enfadonho.
A emoção de saber de uma fofoca não se compara com a de propagá-la. Você
detém informações que a outra pessoa está se coçando para saber e pode usar
isso a seu favor, ou não.
Eu nunca fui a pessoa de quem as outras estavam falando, mas de uma hora
para outra me tornei o meio necessário de propagação. A espiã que ninguém nunca
desconfiaria.
Quer saber como eu passei de blogueira literária para a maior detentora
de informações da história da minha escola?
Então continue aqui e saiba que tudo começou em certo clube...
Capítulo 1
Se eu pudesse voltar no tempo, com certeza impediria minha avó de usar
um salto quinze e cair da escada, fraturar uma costela e ficar com o pé roxo.
Eu amo minha avó, ela é minha favorita e sabe como ninguém dar dicas de
relacionamento. Não faz parte do grupo de avós tradicionais que ficam em casa
fazendo biscoito e entupindo os netos de comida, muito pelo contrário, ela vai
para academia e diz na cara dos netos que eles devem comer direito e no meu
caso: depilar o buço porque mulher de bigode é algo pavoroso.
Eu a amaria ainda mais se não tivesse sido um dos pivôs para meu pai
ficar pirado, conseguir um emprego nesta cidade enorme e nada hospitaleira e de
quebra colocar eu e meus irmãos em uma escola esquisita e que eu tenho certeza
de que não será nada hospitaleira.
Nos livros que eu leio aos montes fica sempre claro que a garota que
muda de escola encontra o príncipe encantado e no fim das contas se mudar acaba
sendo a melhor coisa que lhe aconteceu na vida, mas eu sou realista o
suficiente para dividir o otimismo do meu trabalho com a sagaz realidade.
Nunca, nunquinha na vida que eu mudar de escola poderia ser uma coisa
boa e sabe por quê? Porque nenhuma garota que se prese muda de escola e cidade
logo depois de beijar o astro do time de futebol e sim, estamos no Brasil, mas
até aqui onde os estereótipos americanos não funcionam fica claro que se o
astro do time de futebol te chamar para sair e te beijar no fim da noite é um
sinal divino de que tem de ficar onde está e não se aventurar em outro lugar.
Nossos signos até combinam e olha que achar um encontro amoroso e astrológico
nos dias de hoje é uma raridade, mas com certeza isso aconteceu um dia antes de
começar meu inferno astral. Por que universo você fez a coitada da vó Dedé cair
ao sair com o vizinho e por que a vó Dedé tem que ter dois namorado quando eu
perdi um que tinha grandes probabilidades de ser?
Eu sei que protestar e ficar abraçada na árvore do jardim e gritar como
louca que ninguém me tiraria dali não foi uma forma efetiva de protesto, mas
combinar inferno astral com avó maluca e pais ditadores é mais do que uma
garota de dezessete anos pode aguentar em um curto espaço de tempo de uma
semana.
E, como se não fosse ruim o suficiente, minha mãe será a nova professora
de inglês da tal escola para jovens talentosos e que serão alguém na tal
sociedade ambientalmente correta do futuro. Duvido que algum deles já não deva
ter jogado uma latinha de refrigerante em um local incorreto. Aposto minha unha
roída do dedo mindinho esquerdo de que eles não são tão talentosos e corretos
assim.
Os únicos animados com esse tal de CEJE – Centro de Educação para Jovens
Empreendedores – sãos meus irmãos, mas não acho que a doida da Carina tenha
algum crédito. Ela agarra qualquer oportunidade onde possa aparecer. O coitado
do Cadu só tem doze anos e seu único interesse é em heróis da Marvel e a
opinião dele nem deveria ser levada em conta visto que ele acha que se
desmontar o próprio celular e juntar mais algumas peças pode ser o novo homem
de ferro.
Mas, para os ditadores dos meus pais, essa mudança fará bem a nossa
família e a minha avó, que amou ter seus três netos por perto e foi uma das
responsáveis por sermos aceitos na escola de doidos.
Eu só consigo sentir um perto no peito, como se algo de muito ruim fosse
acontecer. Em minha antiga escola me chamavam de Traça Magrela. Traça porque
leio muito e mantenho um canal no youtube com resenhas dos livros que leio e
Magrela porque realmente pareço uma vara de apontar estrela, claro que se elas
tivessem um metro e cinquenta e sete.
Tenho certeza de que nessa escola de empreendedores irão arranjar um
apelido bem pior, ainda mais porque as panelinhas já devem estar formadas. Que
tipo de pessoa doida muda de escola no mês de abril, ainda mais no último ano
do ensino médio?
- Chegamos – diz minha mãe ao parar em frente à escola da danação eterna.
Sim, como se ser aluno novo não fosse suficiente todos vamos chegar
acompanhados da mãe. Será que filhinha da mamãe pode ser um apelido cruel o
suficiente?
- Mãe, nós iremos nos separar – diz Carina, sentada no banco da frente
como se fosse uma rainha e nós seus meros súditos. – Não quero chegar
acompanhada do doido do Cadu e com a Betina com essa cara de velório e com
roupa de hippie.
Antes que minha mãe possa responder, eu saio do carro e deixo os três
para trás. Meu coração parece que vai saltar do peito e eu sinto minhas mãos
suarem, mas mesmo assim tiro o papel com as informações necessárias do bolso de
minha mochila de tecido azul e com vários desenhos de corujas.
Falo a mim mesma que é só o primeiro dia e que vai ser ruim, mas com o
tempo pode melhorar. Eu não serei a novata por muito tempo.
Atravesso o portão com grades de ferro vermelha e encaro o que era para
ser uma escola, mas está mais parecida com uma casa muito chique.
- Que tipo de badalhoca é essa? – Sussurro.
Não consigo desviar meus olhos da casa em estilo colonial azul e branca
que fica entre dois prédios de três andares e sob um gramado tão verde que
parece falso, sem falar no jardim entre os prédios. Como os alunos não
destruíram tudo?
Lembro-me de que minha avó disse que a escola só em cento e quinze
alunos por conta do método que usa. Com certeza devem ser robôs ambientalistas
e sem sentimento. Como eu, uma pessoa criativa e com planos nada ambientais
poderá sobreviver aqui?
A única coisa de que lembro, além do número máximo de alunos, é de que
um dos princípios do CEJE é preservar e conservar a natureza, por este motivo
estou insegura e tendo a certeza de que terei o pior último ano do ensino médio
da história dos últimos anos.
Ainda com o coração martelando o peito, ando em direção a casa em estilo
colonial, lendo o papel e descobrindo que se trata da Sede. Provavelmente é lá
que alguma secretária antiquada me acompanhará até minhas aulas.
Subo os degraus em frente à casa e ignoro os olhares curiosos de algumas
meninas. Assim que entro, vejo algumas placas indicando os números dos locais
como enfermaria, secretaria, sala do diretor, da orientadora e um tal de locais
de clubes estudantis.
Vou em direção a sala de número dois, onde fica a secretaria, percebendo
que não tem o tradicional vidro que separa os alunos da secretária, mas sim uma
sala simples, colorida e com uma mesa com computador e vários pufes espalhados
sob um tapete felpudo caramelo.
- Olá – falo olhando para uma
mulher jovem de cabelos cacheados e trajando um terno preto que está sentada
atrás da mesa com uma xícara na mão.
- Olá – ela sorri de forma simpática. – Você deve ser uma dos três novos
alunos.
- Sim, sou Betina – falo baixo demais, envergonhada sem motivo aparente.
- Sente-se Betina – ela aponta um pufe amarelo em frente à mesa. – Vamos
decidir como será seu ano aqui no CEJE.
- Eu não entendo nada desse negócio ambiental – falo rápido, uma parte
de mim querendo sair correndo dali e a outra sabendo que minha mãe seria capaz
de me prender na cadeira.
- Não precisa entender – ela diz sorrindo. – Este é somente um dos
princípios da escola. O principal é estimular o talento dos alunos. Qual seu
talento, Betina?
A pergunta me pega de surpresa e eu encaro a mulher, sem saber o que
responder.
- Eu só leio livros – respondo
sem jeito. – Leio bastante mesmo, mas acho que isso não é talento.
- Claro que é – ela me contradiz, ainda sorrindo. – Os grandes editores
leem. Há várias profissões em que as pessoas tem que ler.
Eu fico em silêncio e ela começa a mexer no computador.
- Você se considera uma pessoa criativa?
Lembro da página da internet que mantenho em segredo e não consigo
conter o sorriso.
- Sou criativa até demais, segundo algumas pessoas.
- Isso é ótimo. Acredito já saber onde você irá se encaixar.
- Onde?
- Primeiro deve escolher qual destas três matérias principais irá
cursar. Português, matemática, ou áreas biológicas.
- Português.
- Certo, mas isso não irá tirar matemática do currículo, apenas fará que
ela seja uma matéria de menor carga horária.
Balanço a cabeça, concordando, e ela continua a mexer no computador.
- Você irá cursar português, escrita criativa, história, literatura
contemporânea, matemática e educação física.
Abro a boca, encantada com o que ela acaba de me dizer. Nada de física,
química, biologia, artes e outras matérias terríveis?
- Também terá que escolher um clube – ela continua. – Mas tenho certeza
de que se dará bem, recebeu ótimas recomendações de sua antiga escola.
- Obrigada.
- Sou Vanda – ela sorri e me estende a mão. – Seja bem-vinda a sua nova
escola. Tenho certeza de até o final do ano descobrirá o talento que eu vi só
te olhando.
Fico espantada com a afirmação de Vanda, que levanta e faz um gesto para
que eu a acompanhe.
- Uma de suas colegas irá acompanhá-la pela escola. Quando suas aulas
acabarem, você volta aqui para conversarmos, Betina.
Concordo e quando chego ao corredor vejo meus irmãos sentados nos bancos
em frente à porta e ao lado deles uma garota magra de cabelos compridos
castanhos e encaracolados. Ela sorri ao me ver e levanta.
- Sou Duda Salino – ela sorri e para na minha frente. – Na verdade Maria
Eduarda, mas ninguém me chama assim.
- Sou Betina.
- Eu sei – ela sorri. – Aluna nova.
- Sim.
- Vamos, Betina. Irei te mostrar a escola.
Eu a sigo em direção a saída da casa e quando chegamos ao gramado, ela
me olha de uma forma curiosa.
- Você ficou com a vaga de William Darcy – fala de uma forma que
considero quase triste. – Não sei dizer se foi uma substituição adequada ao que
precisamos.
Ela continua andando e eu percebo que cheguei a escola da danação
pegando o lugar de alguém que deve ser importante já que para uma pessoa ter o
nome parecido com o de um personagem da Jane Austen deve ter um mérito e tanto.
0 comentários:
Postar um comentário